Vastos, os oceanos não são
Azuis.
Eles são estes teus olhos
Verdes.
Francisco Cleóbulo Teixeira
Vastos, os oceanos não são
Azuis.
Eles são estes teus olhos
Verdes.
Francisco Cleóbulo Teixeira
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Em pedra ou em mármore
Eu te esculpo
A meu bel-prazer.
Te faço perfeita
Ingênua, pura
E sem graça.
Apago teu jeito
Te boto defeitos
Me fazes sofrer.
Me fazes amar
Intensamente
Enfim, odiar.
Te obrigo a trair-me
Pretexto
Para te humilhar.
Tu choras pedindo
Pedaços de amor
Aos meus pés.
Sorrimos num beijo
Eu, estátua
Tu, escultora.
Francisco Cleóbulo Teixeira
Arquivado em Poemas
Quando se sangra o homem
A terra, com ele, é sangrada
Mas o sangue derramado não fertiliza
Porque só é vida quando corre
Nas veias
Quando corre nas veias.
O sangue derramado
Na terra, nada semeia.
É semente estéril
É alimento do ódio
Do qual depois se alimenta
E o alimenta
E se alimenta
E o alimenta
E se alimenta…
Francisco Cleóbulo Teixeira
Arquivado em Poemas
A vida é uma jangada
A jangada é uma vida
Que navega os caminhos do mar
Que navega um mar de caminhos
Em busca de alimentos
Em busca de emoções
Navega durante a noite
Navega por entre as sombras
Porque a noite é discreta
Porque as sombras escondem
Dos olhos frios da luz
A mesquinhez dos sonhos
De quem não faz outra coisa
Que não seja navegar.
Francisco Cleóbulo Teixeira
Arquivado em Poemas
Não te enganes, amigo
É cheiro de morte, sim.
Pavor da voz, do passo incerto
Da taquicardia
Do minuto seguinte
Pavor do pavor.
O absoluto caos
Em cada esquina
Por trás de cada porta
Em cada olhar.
Um trago duplo
Um antidistônico
Só dão um tempo e a certeza
Do retornar mais terrível.
Não feches, não abras as mãos
Não as coloque em nenhum lugar
Porque nada mais é seguro.
Não pises
Não fales não cales
Não olhes
Não ouças nada do que se diga
Agora, e não creias em nada
Do que foi dito antes.
Nada importa.
É que no próximo ato
Certamente, o abismo te aguarda.
Francisco Cleóbulo Teixeira
Arquivado em Poemas
Éramos três, sempre três
A vida era a porta ao lado
O mundo, aberto em calçadas
O sonho, nossa vitamina.
Éramos três, sempre três
O mar cabia num copo
A natureza, numa janela
O universo, em nossas pupilas.
Éramos três, sempre três
As cores ficaram mutantes
Os sons, palpáveis
Os fantasmas, covardes.
Éramos três, sempre três
A flor morreu na redoma
A Lógica e a Matemática, renegadas
A Filosofia, de fome.
Muitas luas passaram…
Deus não é uma equação!
Somos um, apenas um.
Francisco Cleóbulo Teixeira
Arquivado em Poemas
Viver
É ter um olho
Na fresta do tempo
É cravar as unhas na raiz
Do medo cotidiano
É correr
Com todos os pés descalços
Pelas calçadas do sonho.
Francisco Cleóbulo Teixeira
Arquivado em Poemas
Passadas fortes
Definidas
Nas rugas, o Sol
Vida
Nas mãos, o ferro
Força
Nos olhos, a terra
Esperança
Dúvida.
Francisco Cleóbulo Teixeira
Arquivado em Poemas
Maria Aparecida caminhava como se não sentisse o peso da enorme trouxa de roupas nem o frio da madrugada. Afora o canto dos primeiros galos e passarinhos, nenhum outro sinal de ser vivente. Povo preguiçoso, o daquele vilarejo. Ou era ela que acordava cedo demais? Gostava de acordar cedo, sim. Terminava logo de lavar as roupas e ganhava tempo para outros afazeres.
Maria já descia a ladeira do rio quando começou a ouvir aquilo. Era o terceiro dia seguido que ela ouvia aquele canto, parecido com canto de igreja, alternado por uma ladainha. Vinha dos lados da capela velha. Mas aquela capela já estava abandonada há bastante tempo. O padre até proibia os meninos de brincarem lá, porque havia o perigo de desabamento. O povo do lugar também comentava que havia atrás da capela um cemitério muito antigo, ainda do tempo dos escravos. Devia ser conversa fiada. Mas o que seria aquela música? Será que estavam rezando missa por lá? E porque alguém rezaria uma missa ali àquela hora da madrugada, ainda mais numa quinta-feira?
Ela suspendeu a trouxa de roupas, virou-se e voltou a subir a ladeira, tomando o rumo da capela velha. Era muito devota, mas ia muito mais movida por curiosidade do que por devoção. Lavaria a roupa algum tempo depois, que rezar pra Deus nunca era perda de tempo. O caminho para a capela era tão pouco transitado que se tornara fechado e escuro, com o matagal crescendo alto de um lado e outro. Por vezes, Maria quase não conseguia passar alguns trechos, como se os arbustos fossem fechar de vez o caminho. Mas ela ia em frente, pois aquele cantar bonito, diferente e cada vez mais próximo atraía de forma quase hipnótica.
Mesmo antes de chegar, Maria já percebera uma luz que saía pela porta da frente. Ela aproximou-se, e era uma luz forte, quase incandescente, como se o próprio Sol estivesse no interior da capela. Ela entrou, e qual não foi o seu deslumbramento. Aquelas pessoas não eram iguais às pessoas que ela via na igreja aos domingos. Pareciam mais bonitas e ela não lhes distinguia os rostos; pareciam mais perfumadas e ela não lhes sentia nenhum perfume; pareciam todos muito bem vestidos e saudáveis, apesar de haverem ali ricos e pobres, velhos e jovens, cegos e aleijados. Maria Aparecida sabia de tudo isso sem entender como.
O tempo passou e Maria, mergulhada em êxtase, nunca saberia dizer quanto tempo havia passado. Entendeu, porém, que terminara a “missa” porque todos agora se dirigiam para a porta de saída. Ela passou a seguí-los e podia jurar que os pés deles não tocavam o chão. Já do lado de fora, caminhavam em direção à parte de trás da capela, onde se dizia que existia o velho cemitério, todos aureolados pela mesma luz fascinante e que nada tinha a ver com a luz do Sol.
À medida que chegavam ao terreno do campo santo, aquelas pessoas iam desaparecendo, umas aqui, outras ali, outras mais adiante… Até que não restava mais ninguém. Maria Aparecida olhou para o chão ao seu redor e não viu nenhuma pegada, a não serem as suas próprias. Ela soube então que, a partir daquele momento, haveria lugar para muitas outras coisas em seu coração, mas não mais haveria lugar para o medo.
Francisco Cleóbulo Teixeira
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